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sexta-feira, 9 de março de 2012

Cubatão - Dos Mangues aos Bananais

 Cubatão. Memórias-Crônicas








(Por- José Alberto Lopes)


           Em idos tempos, de onde iniciava ou terminava o mar, (o mangue) era ali que começavam os bananais, que iam até o sopé da serra do mar. Um mar , sim,verdejante e salpicado  de pequeninas ilhas, que eram as casas dos  moradores. Com o passar dos anos, tudo isso foi-se acabando. Contudo, nos cantões isolados ainda é possível ver o que sobrou daquilo que  foi no passado, uma das  maiores riquezas da cidade, A banana.


            A origem da  palavra Cubatão tem muitas interpretações. Pode ser um regionalismo que quer dizer; “pequeno morro ao pé de uma cordilheira”. Para outros historiadores pode ter origem hebraica – Kábataon que significa; “que precipício”  Para outros mais, pode ser : rio ao pé da serra. Além desses, ressoam outros significados.
             Segundo a história, Cubatão se originou   com a doação de uma gleba feita por Martim Afonso de Souza a Rui Pinto. Isso, lá pelos idos 1533. Em 1550 a companhia de Jesus recebia as terras em doação e nascia assim a fazenda geral de Cubatão.
         Porém, a colonização propriamente dita, se deu em 1819 com a chegada das famílias dos Manoéis. Manoel Machado; Manoel do Conde; Manoel Spínola; Manoel Raposo e Manoel Correia, conhecidos como os cinco Manoéis
           Como nem só de pão vive o homem, também direi que: “Nem só de Manoéis  se faz uma cidade, uma história” Milhares de ilustres desconhecidos, migrantes, principalmente do norte e nordeste  do país, que em uma determinada época foram  alvo de segregação em nossa cidade, muito fizeram em prol deste chão. Enfim, rendo aqui as minhas homenagens a todos que colaboraram para o desenvolvimento  e o progresso de Cubatão.


           O que aqui escrevo, é despido de pretensões outras. Nunca será uma obra-prima. Trata-se do que vi; ouvi e vivi. Datas, algumas foram omitidas pois não me dei muito  às pesquisas, porque a minha intenção é proporcionar  uma leitura leve e até divertida  a quem se interessar a ler.



(Desbravadores contemporâneos- Construção da Via Anchieta- 1940)
[Foto-Novo milênio-Ary O Célio]


             Naquela  época, quando nascia uma criança, eu sempre ouvia um adulto dizer: ”O pote qebrou”  E quantos potes se quebraram não? Pois é,  a cidade foi crescendo, crescendo com os filhos da terra.       Mas houve um período em que a cidade recebeu um contingente de migrante que  se iniciou talvez com a construção da rodovia Anchieta e foi até a instalação do parque petroquímico e  a Cosipa. Era o êxodo-rural que já estava em marcha há muito tempo em nosso país. A maioria dessas pessoas vinha  do campo e de todos os quadrantes deste país, os migrantes. Buscando melhores condições de vida principalmente para os seus, aqui aportaram.
           Mas se por um lado o progresso se fazia notar, por outro lado apareceram os primeiros problemas de moradias. As zonas de risco foram aos poucos  sendo ocupadas. E eram a olhos vistos que emergiam nos espigões da serra , os barracos formando caóticas mini-cidades sem nenhuma condição humana. Mais tarde, ocuparam os  mangues com suas  palafitas, formando também núcleos não menos  caóticos.
             Triste  é o bônus do progresso ter ficado mais uma vez nas mãos dos já privilegiados. Hoje, não sei as quantas andam os índices de desenvolvimento humano da cidade.(IDHC)

            Caros amigos leitores nasci em Cubatão em fevereiro de 1.951. Dizem que cheguei aqui no bico de uma cegonha já quase sem forças, depauperada, já abrindo o bico literalmente, pois era  de tarde e fazia um calor tremendo  naquele dia  05. Em Cubatão  morei até o final de 1.970.
          Nesse período muitas coisas aconteceram. E são essas muitas coisas que pretendo lembrar aqui. De  acontecimentos  públicos, aos  acontecimentos particulares. Pra  começar, sou do período da banana, passando pelo petróleo, aço, fertilizante, cimento etc... sem esquecer as indústrias pioneiras como a Cia. Curtidora Marx, Cia.  Santista de Papel, a Anilinas, e a Henry Borden.



(A casa onde nasceu o autor. - Cubatão-SP/ Acampamento B3 do DER.-Rua Domingos Costa nº44)



              Nasci  e morei numa modesta casa  de madeira. Em determinadas épocas do ano, aconteciam os ventos fortes. O noroeste. Isso sempre ocorria quando o céu amanhecia riscado de nuvens brancas, ou rabos-de-galo, como diria  o grande escritor, filho desta terra, Afonso Schmidt. Chegava  assoviando e quase sempre de madrugada. Sob esses  vendavais,  a nossa pobre casa  estalava. O telhado era  debulhado, cercas quase sempre tinham que ser refeitas, as poucas antenas de TV eram colocadas no chão e algumas aves perdiam seus ninhos. Nos varais apinhados de roupas, o vendaval insano era como mãos pouco hábeis tentando fazer origamis. Lembro que ficava a admirar um velho sabugueiro nos fundos do nosso quintal que parecia de todas as formas proteger seus buquês. Mas tudo em vão. O chão  varrido findava nevado por aquelas florzinhas geometricamente perfeitas e de forte olor.                                            
            Mas para nós os meninos, alheios aos estragos provocados, o noroeste era motivo de alegria. Correr de madrugada  no vento pelas ruas  vazias era uma ótima sensação, parecíamos quase voar.








Haicai


Folhas da bananeira-
Fustigadas  pelo vento
Mostra o avesso  cinzento.


Texto:
É comum isso acontecer quando sopra o noroeste nos bananais. A parte verde subitamente é substituída por  um  cinza- esverdeado que está no avesso da folha, como se a planta  se  rebelasse contra o vento.
De José Alberto Lopes®


             E falando em voar, voei um pouquinho para o ano de 1957, quando era acordado na madrugada, coisa de 4hs, da manhã, e via meu pai, Francisco Lopes, todo arrumado, paletó e gravata, saindo apressado rumo à antiga estação ferroviária para pegar o primeiro trem para São Paulo.Viagem que naquele tempo, durava mais de 2 horas. Na verdade, descia em São Caetano do Sul, e rumava até a   fábrica de automóveis: General Motors do Brasil S.A. onde participava de um curso de mecânica de      Máquinas Pesadas! Eu saia à janela e acompanhava meu pai até ele desaparecer na escuridão da ruazinha da árvore. Quanto tempo!!!
            Abaixo duas fotos(relíquias da família) sobre o curso na GM.



                               


Foto arquivo da família-1957 General Motors S.A. - SCS - SP

Declino aqui, os nomes dos que aparecem nesta foto. A ordem me foi impossível saber, mas, vale a memória: <><><><> Prof. Schmith; Instrutor João; Pedro fausto; Elme Ramos; Ivo Marques; Waldomiro; Ernesto; Benedito; Silvio; e Francisco Lopes (no centro do motor).









GM- Foto  arquivo da família


            Foi lá por volta de 1.958  que me matricularam  na escola primária. Ainda me lembro da  primeira professora. Chamava-se Teresa, e a escola era o Grupo Escolar Júlio Conceição que ficava  próximo à cabeceira da ponte sobre o rio Cubatão e em frente à Cia. Estireno. Aliás, o cheiro  exalado por esta  fábrica era tão  desagradável  em determinados dias, que  provocava náuseas e até desmaios  em alguns alunos. Lembro-me que as salas eram construídas em madeira ordinária e pintado de verde.    No verão, debaixo daquelas telhas-vãs, o calor era insuportável e quando chovia, chovia lá dentro também.
          Em poucas semanas, mudamos em caráter provisório para a Rua Bernardo Pinto onde futuramente funcionaria  o Afonso Schmidt. Lá ficamos  algum tempo até nos instalarmos definitivamente, na Rua Ana Néri. Ali concluí o primário, em dezembro de 1.964.
Era curioso que uns 90% dos professores, residiam em Santos. E quando alguém, por qualquer motivo faltava, tínhamos duas opções, ou éramos dispensados, motivo de muita algazarra por parte dos alunos, ou alguém corria até a casa da substituta, dona Neusa.
           Nesse período fiz muitas amizades e conheci muita gente legal como as serventes(era assim que as chamávamos) Eram mesmo polivalentes, pois cuidavam da limpeza, atendiam os alunos e também faziam o papel de secretárias e etc..Eram elas;  dona Emília, dona Rosa, e mais tarde a Aparecida e a dona Guiomar. Havia também o senhor Costa, esse muitas vezes zoado por alguns alunos.
            No primeiro período de escola, a nossa diretora chamava-se Isaura, que pelo motivo de um acidente, nunca mais retornou e foi substituída por Marina Valverde. Passado algum tempo, veio para ser nosso diretor, o senhor Orlando Salvestro, aquele que tinha um fusquinha  na cor branca, pelo menos até dezembro de 1964.
              Quanto  às professoras, tive em sala de aula, dona Teresa; Norma; Guanaíra; Aparecida; Edith; Silvia Rios; e a dona Guiomar Fonseca. Enquanto isso lá fora, em frente, e nessa época o prédio ainda não era totalmente murado, tínhamos o vendedor de quebra-queixo e biriba, além do Zé pipoqueiro que religiosamente assinavam ali o ponto, todos os dias para alegria da garotada.
             
 



(foto do face boock Memórias do EE Afonso Schmidt)

Esta foto mostra o prédio, na época em que o Grupo Escolar Júlio Conceição, em caráter provisório, funcionou, até se transferir em definitivo para a rua Ana Neri. Pela foto, vê-se o o galpão onde os alunos se organizavam, para em fila, entrarem nas devidas salas. No primeiro plano, observo um evento que aconteceu num domingo, com a apresentação de cães adestrados pelo Senhor Jordano Martinelli. Obs. Anos 1960, eu estava nesse evento.



Foto tirada no início de 1960 no pátio do G.E. Júlio Conceição.
Turma do 4º ano primário-misto.  (da ponta esq. pra a dir. prof.ª Laís abraçando uma aluna). Foto, arquivo da família.



Nossa escola era bem eclética. Tive como colegas de classe, de filhos de pessoas comuns, como eu, até outros, filhos  de pessoas proeminentes na cidade. Ao lado, o meu primeiro livro. Nossa Cartilha.

Histórias e Estórias;
Histórias? Aliás, é o intuito desta minha escrivinhadura. Ouvi muitas. Declino aqui algumas. Certa  tarde  de finados, a nossa vizinha  de três casas abaixo de onde morávamos entrou espavorida pela nossa cozinha  dizendo que  na saída do cemitério aparecera uma estranha criatura que a perseguiu durante um bom tempo. Era uma figura de mulher toda de branco, que parecia flutuar. A criatura a perseguiu até a cabeceira da ponte sobre o Rio Cubatão e depois desapareceu. Se era verdadeira ou fruto  da sua imaginação, eu não sei dizer, porém, é verdade que nossa vizinha estava trêmula e branca como uma vela. Essa história parece que ficou restrita ao nosso bairro.

             Outra que ouvi, falava de alguém que atirara  num suposto Lobisomem. Aliás, os bananais de Cubatão pareciam lugar de encontro desses  tipos de criaturas. Não se sabe ao certo, se era noite de lua cheia ou não. Um rapazola, ao passar por  uma rua deserta de casas, percebeu que um grande cão o seguia.  Era no adiantado da hora, e aquela luzinha amarelada  do poste, pouco ou quase nada clareava, mas foi o suficiente para lhe revelar que se tratava de um animal descomunal, aterrador. Tinha pelos negros e hirtos, exibia garras de goiva e presas grandes e afiadas e dos olhos saltavam dois sabres luzente. O estranho animal rosnando, põe-se então à frente do jovem impedindo-lhe a passagem. Na  iminência de um bote certeiro o rapaz sacou uma pequena  arma de fogo que costumava  portar quando saía à noite, fez mira e  sem titubear atirou. Porém, mesmo à queima-roupa, nenhuma bala atingira o animal, que sumiu na penumbra,  da mesma forma que apareceu. Ocorreu que no dia seguinte apareceu um homem que  se  chamava Manoel, conhecido na  cidade por  viver   quase  isolado num daqueles bananais. Parecia  não ter  amigos, além de  chamar  a  atenção  pelo porte  físico avantajado  e  o jeito esquisito de  andar. Apresentava uma fisionomia macilenta e barba sempre por fazer. Que trazia sempre um chapéu de feltro aterrado à cabeça e com a aba quebrada na fronte.
          Esse homem esquisito apareceu de surpresa no bar onde estava o rapazola e ironicamente abordou o autor dos disparos. E num silêncio que de repente tomara conta do ambiente, publicamente perguntou-lhe: Arma  boa  aquela  sua, quer vender?--- Daí  para a frente, esta história se espalhou. Então, por causa disso esse tal homem passou a ser olhado de maneira diferente...!principalmente pela meninada.


             Esta, eu ouvi do meu  pai, o seu Chico Lopes:  Lá no acampamento do DER na cota 200,  (serra do mar) quando da construção da Via Anchieta, um homem que saía quase todas as noites para fazer sabe-se lá o que no mato, havia sido confundido com um Boitatá ou coisa do gênero. Naquela escuridão, é claro, levava um lampião e se embrenhava por ali. Aquela luz, que caminhava e parava no meio daquele breu, logo despertou curiosidade e medo. E  o lugar ficou assombrado por  um bom período até descobrirem que se tratava de um  tal de Zé da serra!
              Que poderia com certeza, ganhar outro apelido: Zé da moita.



(Serra do mar. Foto google)

             Falando em serra, em determinada época do ano, bastava olhar para ela e ver as manchas roxas das quaresmeiras, ou Jacatirões, como bem lembrava Afonso  Schmidt. Fenômeno tempestivo que anunciava o período de recolhimento.  - 
Um poema:





Ode à Serra do Mar




Agora te vejo inteiramente  desnuda!
O noroeste varreu a cerração.
O! Muralha azulescente que beira o céu,
Que beija as nuvens pervagantes.

Os automóveis serpenteiam a tua arquitetura.
De dia,  são carreiras de formigas,
À noite, são graciosos pirilampos
Em chusmas ordenadas cortando o breu.

O Atlântico distante te espia saudoso.
Talvez um dia, quem sabe ele retorne
Para afagar, intensa e definitivamente
A tua majestosa geografia!

Ah! Esse penacho de fogo constante
Que fulgura em teu contraforte,
É luz votiva por certo velando por ti!

O! saudosa e querida serra
Onde as manhãs gorjeiam
Desde as copas inalcançáveis
Até aos abismos recamados de flores.

És colossal e impávido, e eu apenas,
Frágil e efêmero como as cigarras
Que vibram as suas palhetas
Desde o cariçuma de verão!

Por isso, com a certeza de uma flecha Tupi,
Sei que quando enfim eu tomar
A minha estrada derradeira,
Tu ainda permanecerás
Exuberante e altaneira
Como se, a união de pirâmides e catedrais,
Por eternos e eternos séculos!

Teu clima inconstante
É como a minha alma!
O sol se vai e a neblina
Arrebata-te novamente.

Chegou como sempre sorrateira
E vai estendendo lentamente
A sua gaze leve e úmida
Sobre a tua pele de flúor e flores.
Sobre a tua sinfonia de águas e ventos,
De insetos, animais, aves e coisas do mato...

Parto!
Não como um navegador
A cruzar revoltos oceanos,
O cosmo desconhecido,o deserto...
Não! nenhuma odisseia.
Apenas retorno à minha outra serrania,
Feita de aço e concreto,
Concretamente ruidosa e exasperante!

O mar deixou em teus socavões
Pequenas conchas, priscas eras...
Eu, num suspiro deixo-te também
Humildes, mas profundos afagos:
Um poema simples.....
Umas efêmeras lembranças:
Minhas pegadas!
Levo um pouco do teu hálito
a tua energia recriadora,
saudades, e uma flor  de manacá!

Quem sabe um dia, quem há de saber?
Zanzalá ecoe em teus vales
E esse tom Zamiresco que encontro em ti
Possa finalmente ser rizoma de lírio-do-brejo.
E seremos todos; Tucas e Zéfiros.
E Schmidt descerá então triunfante
Flutuando sobre páginas de um livro em branco!



Notas: Cariçuma = “O romper da manhã sobre  a serra, no dialeto das Rãs” segundo Schmidt.
Zamiresco, palavra criada por  Afonso Schmidt, Juntando as palavras  de origem Russa: Za Mir: Pela paz.
Tom zamiresco= Tom de paz.


Poema de José Alberto Lopes.

15/04/2013-SBC. SP.

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          E era já no final de um desses recolhimentos  que outro  fato aconteceu. Foi   durante a encenação da paixão e morte de Cristo, e eu estava lá. Era encenada próxima a Anilinas. Foi  naquela parte em que Judas trai e sai correndo e arrependido se enforca numa figueira, (no caso, numa bananeira--risosss..)Um homem embriagado que ali se encontrava, e que já perturbava há um bom tempo, invocou-se com Judas e inesperadamente gritou com voz silábica quebrando o silêncio   já quase no auge da encenação. -- Aí... já vai safado? Aquilo foi tão inusitado e hilário que não só a platéia ria. Só pra saber: O Centurião, também acometido de um ataque de risos, esqueceu a cena e correu disfarçadamente justo para onde  correra Judas. Aí, o tal bêbado lavou a égua... a dizer coisas...imaginem só!




(Cine Santa Rosa-Foto google)





         Cinemas? Haviam dois. O cine Santa Rosa e o cine São Francisco.
Para o bem da verdade  entrei pela primeira vez num cinema quando tinha uns dez anos. Foi quando  recebemos  por ocasião do dia das crianças, uma gratuidade da prefeitura, para assistirmos o “Gordo e o Magro”. Ah! foi no cine Santa Rosa que ficava na av. 9 de abril. Não lembro o nome do filme, mas me lembro que nos divertimos  muito.







Nas tardes de domingo:

           Cubatão também respirava futebol.
          Tanto na quadra da 2004, como nos campos de várzeas, que eram muitos, o público  lotava o espaço, principalmente quando aconteciam  os clássicos. Sim, os clássicos como o E.C. Cubatão x Casqueiro; E.C.Cubatão x Comercial Santista F.C.. tudo isso com direito a charangas, bandeiras e batucadas. Ali se esbarravam todas as classes sociais, de forma democrática. De vez em quando surgiam alguns quiproquós  por causa do jogo. Não raro presenciei alguém correndo para apanhar uma arma, porém, o sujeito era logo contido pela turma do “deixa-disso”. E assim, entre  não mortos e não feridos, cada qual retornava para a sua casa, após   a  chamada porfia, com uma história pra contar.



Esquadrão do ECCubatão  -  1957 (foto - Arlindo Ferreira)





Esquadrão do AA Anchieta - 1949 (foto Arlindo Ferreira)





 Time do Oleoduto década de 1960 (foto Arlindo Ferreira) -- Em pé, o segundo da esq. para a dir. morava  na minha vila. Domingos (Domingão)







Águas de março:

            As enchentes, de certa forma também já faziam parte do acervo de histórias da cidade. Eu me lembro de duas, porém a mais forte foi a de 1958.
Eu morava no acampamento do DER, aliás, onde  nasci e vivi por felizes  dezessete anos. Era conhecido como B3 e ficava na Rua Domingos Costa. Pois bem, era quase  hora do almoço e  a água foi subindo, subindo e não tivemos alternativa se não deixarmos nossa casa.
Fui levado pelo meu padrinho de crisma Sebastião Marques. É curioso o detalhe desta fuga. O Sebastião levava uma garrafa de Tatuzinho (a cachaça) e segurando-a com as duas mãos para trás fez com que eu fosse sentado sobre ela. Posso então dizer que  fugi da enchente de 58,  sobre o dorso de um tatuzinho! Refugiamo-nos e todo o acampamento, num prédio em construção onde no futuro funcionaria o SESI. O  SESI do seu Oswaldo Loureiro, do Zé Luiz, dentre outros.

Noite clara, céu tristonho:

            Mas falando em água, foi preciso muita para debelar o terrível incêndio que ocorreu na (RPB) Refinaria Presidente Bernardes. O ano, não me dei conta. Chovia  um pouco quando o alarme tocou.    Era noite e os gritos de pessoas acompanhavam o alarme que parecia  não parar  mais. Da minha cama, dava pra eu ver pelas frestas  da parede, que o céu estava totalmente rubro. Nas ruas  viam-se pessoas inclusive de pijamas, baby-dolls, desesperadas sem saber pra onde correr. A cidade estava em polvorosa e  ficamos em alerta, preparados para fugir. Os boatos eram correntes. Diziam por exemplo, que toda a baixada santista voaria pelos ares em questão de minutos.  Mas fomos ficando, ficando até que o fogo foi controlado graças aos Bombeiros de Santos e de São Paulo. Naquela noite o céu permaneceu claro e ninguém  mais dormiu. Foi terrível e houve até  mortos.




(Carnaval antigo-Foto google)

Pra tudo se acabar na quarta-feira:

            Diz  a música que: “em fevereiro, tem carnaval” embora nem sempre caia em fevereiro. O carnaval em Cubatão tem também a sua história, e a nossa em particular. Haviam os blocos na rua, as batalhas de talco  e de lança-perfume. Certa vez acompanhamos “Os cabeçudos da baixada” Tinha lá um com cara de gaiato, um pescoçudo um tímido e até um diabo balançando a sua capa preta e empunhando um tridente vermelho. A molecada  provocava e depois saía correndo se embrenhando na multidão. Também não faltavam os bailes de salão com suas matinês e os  concursos de fantasias. Já à noite, os bailes eram mais para os adultos. Isso  ali no E.C.Cubatão.
            Já o nosso carnaval particular, vivia na verdade das migalhas de outros foliões. A nossa turminha se reunia e marchava logo cedo para os portões do E.C.Cubatão  para apanhar os restos do carnaval da noite passada. Lá havia farta quantidade de  confetes e serpentinas pelo chão. Enchíamos sacos e sacos e assim, dávamos uma sobre vida àqueles pedacinhos coloridos fazendo o nosso próprio carnaval. Batendo latas, carregando  pedaços de  bambus e vassouras como estandartes e cantando marchinhas, dávamos algumas voltas no quarteirão e com direito às batalhas de confetes...





Antônios, Joões e Pedros

              Se o carnaval era ótimo, mas durava só três dias, o que posso  dizer  das festas  juninas que  duravam um mês? Dá pra imaginar como era!
            Existiam  muitas quermesses. Uma das mais concorridas era a da igreja Nossa Senhora da Lapa. As outras eram do E.C.Cubatão “Arraiá do piriquito” e o “Arraiá do Chicão”, com direito a dança de quadrilha e tudo.
             Ouvia muito falar do Água Fria e do Olaria, mas nunca cheguei a conhecê-los.
           Também haviam as fogueiras dos Antônios; dos Joões e dos Pedros. Mas a festa que mais nos aprazia, era a festa de São João que acontecia  na casa da dona Margarida, ali mesmo no B3 (acampamento do DER)
          Enquanto lá fora as toras ardiam sob as bandeirinhas coloridas que enfeitavam o terreiro, a gurizada se deliciava com as  guloseimas que forravam aquelas longas mesas.
             Ao som das cantorias das rezadeiras, no momento exato do levantamento do mastro ao santo homenageado, o fogueteiro entrava em ação. Aí, a gurizada também ficava apostos. E corriam amalucados em busca das varas  dos rojões que caíam no mato. Era um tipo de aposta que tinha um objetivo, ganhava quem pegasse mais varetas. Também, os balõezinhos conhecidos por chinesinho eram ainda mais disputados, a ponto de acontecerem até  sopapos quando da sua captura. Mas, nós  tínhamos uma alternativa, o balão-caveira. Era feito de jornal amassado, subia todo em chama pra depois ficar todo  carbonizado, dando nome à sua aparência. Usando um pouco de imaginação, eu colocava um traque caramuru em sua extremidade, e quando o balão se incendiava já no alto,  o traque estourava, para o deleite principalmente da criançada.

Um poema Junino:








Arraial de Cubatão



Nasceram todos juninos
No arraial de Cubatão.
E eram  todos meninos:
Antônio, Pedro e João.

Antônio tornou-se padre
E Pedro um pescador.
João, o que se sabe
É chamado bom pastor.

Antônio foi pra outras terras
Para sua igreja pregar.
Passou fome em meio às guerras
Mas ainda vive por lá.

João tem muitos carneiros
Que cria com devoção.
Pastoreia o ano inteiro
Sem chicote, sem ferrão.

Quanto a Pedro esse menino,
Vive pescando no mar.
Dá o peixe aos pequeninos
Mas também ensina a pescar.

E sempre que chega o mês
De Antônio, Pedro e João,
Lá se reúnem os três
No arraial de Cubatão.

Vem muita gente de longe
Visitar esse arraial.
Tem cocada e tem ponche,
Pé de moleque e curau.

Outros doces têm também
Espalhados sobre a mesa.
No pau de sebo convém,
Só subir quem tem destreza!

Tem quadrilha, tem casório,
Tem quermesse o mês inteiro.
Tem quentão e foguetório,
Bandeirinhas no terreiro.

Cada santo tem seu mastro
Sua reza e sua bandeira.
Os balões parecem astros
Confundindo a lua cheia.

Cada qual tem sua fogueira
Pra guardar a tradição.
Antônio abre a porteira
Depois vem o seu João.

E Pedro, no fim do mês,
Meio triste fecha o pano.
Despedem-se então os três
Pra voltarem no outro ano!


Poema de José Alberto Lopes. 22/06/2013




             Botequins, ali haviam às pencas, porém o que mais me chamava a atenção era o botequim do Filemom. Sempre havia um boêmio com seu violão cantando Nelson Gonçalves, Orlando Silva, dentre outros.
            Na rua do lado desse boteco havia um bar mais sofisticado, pois tinha até pista de dança. Seu nome era  curioso; “Choupana Bambu”. Parecia uma grande choça indígena tendo as paredes de bambu e a cobertura com palhas de coqueiro. De casa eu  ficava curioso a olhar e a escutar aquilo, imaginando como seria estar  lá dentro.

              Falando em diversão, tanto os parques como os circos completavam a alegria da cidade. Quem  daquela época não ouviu falar do Circo do Bibi? Ele permaneceu num terreno perto de casa, ali entre a  Manuel Picado e a Pedro José Cardoso por quase um ano, por isso, todos   das redondezas  tornaram-se íntimos do pessoal do circo.
            Nas noites de função, as ruas ao redor pareciam um formigueiro de gente. Bons tempos também.  Só teve um probleminha; aquele espaço era o nosso campinho de futebol.
           O parque de diversões, também era motivo de alegria da garotada. Era armado em terreno aberto, geralmente ali na Av. Miguel Couto. Para lá afluíam as famílias, principalmente aos sábados e domingos. O que mais me chamava a atenção era o trem-fantasma, a mulher-barbada, o tiro ao alvo, o mexicano, e o teste de força. Sem contar as paqueras que aconteceram mais tarde. No ponto mais  alto, que  era a torre da Roda Gigante, ficavam instalados vários alto-falantes que transmitiam músicas, inclusive a pedidos ,(alguém oferecia a outrem como prova de amor ou amizade...)


Secos & Molhados:

              Secos e molhados. Não! não me refiro ao famoso conjunto musical. Falo sim das mercearias.    Uma em especial, a do seu Jaime, vendia desde secos e molhados até utensílios para cozinha etc.  Eram panelas, chaleiras, caldeirões, bules, frigideiras, além de baldes   e até  penicos.
            Havia também como quase todas as vendas, um cantinho   onde a irmandade etílica se reunia.    Não raro um e outro saía abraçado de volta para a casa. Isso quando as respectivas esposas não iam buscá-los mais cedo.
          Nesta mercearia havia uma curiosidade. Eram os gatos que viviam enrodilhados sobre as  sacarias na maior modorra. Quantas vezes vi o seu Jaime pedindo licença aos bichanos para que pudesse atender a um consumidor.
        O seu Jaime era um homem de bom humor, mas não vendia fiado. E antes de entregar a mercadoria, ele sempre perguntava: - Trouxe o carvão? . A mercearia ficava da Rua Fernando Costa.

            Na parte de trás desse estabelecimento acontecia uma atividade paralela, claro, com a anuência do proprietário. Estou falando do barbeiro chamado Lindolfo. Era uma figura conhecida na redondeza.               Era o barbeiro de quase toda vila.  A cadeira não era nenhuma “Ferrante” era um caixote aonde vinham os tomates ou as batatas e o salão era um puxado que havia lá trás. Mas já naquela época era o que hoje chamamos de delivery. Sim, era só marcar hora e endereço e lá ia Lindolfo carregando sua bolsinha com os  apetrechos  pilotando sua bicicleta, e equilibrando um costumeiro palito de dente, que ia e vinha pra lá e pra cá em sua boca.

           Falando em mercearia, às margens do ramal da estrada de Ferro que cortava a cidade, ali próximo ao D.E.R, funcionava a mercearia de um português chamado Valada. Conta a lenda que certa manhã alguém observara rastros de onça próximo ao estabelecimento. Diziam até que a onça arranhara  a porta para conseguir  alguma comida para ela e seu filhote que a acompanhava.  O filho do seu Valada, o Manoel, foi um dos meus primeiros colegas de classe no Grupo Escolar.




Bar e Mercearia da Dona Rosa. Cubatão. década 1960) Foto internete.




             E continuando a falar em mercearia, na Miguel Couto, ficava o bar e mercearia da dona Rosa.    Conta também a lenda que sua filha namorava um piloto  da FAB, piloto esse  que de quando em quando fazia  com um avião parecido  com um  T-6 sob céu da pacata cidade, acrobacias de arrepiar  até o  cabelo do relógio. (T-6 Era um avião de treinamento, também usado como caça na II grande guerra).            Aqui em baixo a molecada se divertia dando tchauzinho para o piloto que lá do seu cockpit respondia com acenos de positivo. Às vezes eram dois aviões. Aí eram; Cosme e Damião. O engraçado disso tudo era ver o meu cachorro (Bolinha) correndo atrás da sombra do avião.

            Naquela época parecia que em nossa cidade só havia um médico. Pelo menos o mais popular para nós era o Dr. Mário Ruivo. Mas se precisássemos de ajuda espiritual, recorríamos à dona Maria    Benzedeira. Ali se tirava quebranto; curava-se tosse-comprida; espinhela caída; bucho-virado etc...
           Mas quando o remédio era a solução, remediado estávamos, porque podíamos recorrer à farmácia do Gutenberg, do Sinval ou a farmácia do Celso Amaral. Vale aqui dizer que nessa época, farmacêutico, era  quase como um médico da família. Velhos tempos.
            Parteira- A que eu conheci chamava-se dona Bia e foi responsável pelo nascimento de muitos cubatenses, incluindo-se uma cambada de arteiros meninos como esse que ora  vos escreve. Era a avó postiça de todos. Morava próximo do riozinho.


Natalinos e Natalinas:

             O natal fechava o ciclo das festas do ano. A igreja Nossa Senhora da Lapa, sempre apresentava um grande presépio. Aquilo era encantador, principalmente para a garotada. Era enfeitado com ramos verdes de bambus, musgos e barba-de-velho. Tinha uma roda d’água e um engenhoso monjolo com seu incessante toc, toc...
        Enquanto isso nas Casas Pernambucanas, (naquela época, em Cubatão já havia Casas Pernambucanas) Mareli e outras  lojas, ouviam-se tocar aqueles tradicionais temas natalinos, principalmente Luis Bordon  e sua Harpa. Aqueles sons me alimentavam ainda mais de nostalgia, embora  tivesse eu pouca idade.



Na loja da esquina, vê-se a antiga Casas Pernambucanas; "Onde todos compram".....




A primeira lata de biscoitos sortidos. Natal / início da década de 1960

Esse era também o nosso açúcar de cada dia. /1960


Esse era o nosso fortificante de cada dia. /1960




 Figuras e figurinhas:

           Algumas figuras e figurinhas que se tornaram pitorescas, de certa forma enriqueceram a paisagem e a história de Cubatão daquela época.
              Seu Zé Pipoqueiro, ah! quantas pipocas comprei ali, sempre bem humorado, com seu bigode largo era ativo - fixo  em frente ao Júlio Conceição. O Landicha com suas baganas de cigarros e o caminhar curto sobre seus tamancos, sempre  pelas imediações  do bar da dona Rosa,  fazendo mímicas para a criançada no horário de saída da escola. Isso, contrapondo-se  às longas passadas do Cachinguelo,  que sempre parecia estar com frio, pois  era raro  que descruzasse os braços. Também havia o amolador de facas com a sua bicicleta adaptada e sua flauta de Pã. O Beijador. Sim, Cubatão também teve um beijador... risos.. O pontual padeiro das duas da tarde, ou seria das três? no seu triciclo buzinando às pampas e o infalível verdureiro e seu pregão.  Também era comum que todo início de mês aparecesse pelas redondezas um  rapazola, a quem, por ignorância chamavam de Turquinho. Na realidade, era Libanês.  Era um mascate  que trazia dentro de sua maleta preta, novidades  e implementos para costura e bordado. Agulhas de mão, carretéis de linha de todas as cores inimagináveis, ramas de colchetes, sianinhas, botões de osso, dedais, riscos para bordados e etc.. As mulheres prendadas, e eram muitas, ficavam em polvorosas quando ouviam a voz  do tal mascate que  apregoava: “A Senhar não quer gombrar coisas pra  costura? Barato, barato!”

“A Singer reverenciada”: Cabe bem como título dessa pequena e quixotesca  história que lhes contarei agora.
             Quando faleceu um vizinho que morava na rua de baixo, ali mesmo no B3, ocorreu esse fato que não deixou de ser hilário, quebrando um pouco a esquisitice  daquele dia.
             O féretro, como era chamado antigamente, sairia às 16: horas, e muita gente ainda afluía para dar o último adeus ao extinto.
            Era hora do almoço, umas onze horas, quando entrou de supetão pela nossa cozinha, um homem cambaleando, devido ao adiantado estado de embriaguez em que se encontrava. É bom que se diga que  anormal seria ele estar sóbrio.
          Trazia seu chapéu junto ao peito como sinal de respeito e parando bem em frente à nossa máquina de costura, que mamãe com seus cuidados sempre cobria com um pano branco, inclinou-se ele,e resmungou com voz silábica: - Vai na paz.. Ato contínuo, mamãe lhe respondeu literalmente com essas palavras: - O senhor bebeu e entrou na casa errada. O morto mora na rua debaixo viu! (risos)

           Essa história que vou lhes contar posso chamar de: “A vela da procissão”. Eu devia ter uns nove anos de idade.
        Era sexta-feira santa. Coloquei a minha melhor roupa, que era sem dúvidas, o meu uniforme escolar. Apanhei uma vela e saí sem avisar a ninguém. Fui ao encontro da procissão, não sei porque, mas, fui.
           Então, fiquei de butuca na esquina. E passaram os congregados Marianos, as  filhas de Maria, os anjinhos, o andor, homens e mulheres cantando louvores, aí pensei: - É agora! E misturei-me àquela multidão!
A marcha lenta seguia serpenteando as vilas com seu rosário de luz. Porém, a minha timidez impedia que eu pedisse a alguém do lado que acendesse a minha vela. E assim foi até  a dispersão em frente da matriz. No meu bolso, um chiclete velho (um Pin-Pong) e  a  tal vela ainda intacta. Foi o meu padrinho  Sebastião Marques quem me localizou e levou-me para casa. Lá todos já se encontravam aflitos com o meu sumiço. Apesar do ato nobre de seguir uma procissão, não me faltaram as repreendas.
             Depois do pito, mamãe pegou a vela e solenemente acendeu-a próximo a um mourão da cerca.
         E assim para finalizar, cumprindo a sua missão, queimou madrugada adentro, ali mesmo no portão, a vela da procissão. Ufa! Até rimou!
            Nunca mais segui uma procissão, mas não foi por causa desse episódio. Acho que foi porque um dia, o padre me expulsou do catecismo!


A crisma...

             Citei várias vezes ao longo desta minha narrativa, o nome de Sebastião Marques. Quem foi ele?
        Lembrei-me de outra passagem que o envolvia. Além de uma criatura boníssima, sempre prestativa, era também padrinho de crisma, meu e de outro afilhado, que só fui conhecer no dia marcado para o importante evento. Essa crisma deu muito que falar, era sempre adiado por motivos vários. E  assim o tempo foi passando,  fomos crescendo, crescendo e nada de crisma. Até que num belo dia (força de expressão), pois   o céu estava ameaçador naquela tarde, finalmente iríamos ser crismados.
         Logo após o almoço, ele me apanhou em casa e rumamos para outra vila, na casa do outro afilhado. Eu estava exultante, porém, isso não durou mais que  a caminhada a pé que fizemos até a igreja de Nossa Senhora da Lapa.
            Não sei por exato o que realmente aconteceu.  Mas o fato é que ao pisarmos o primeiro degrau da igreja, nos deparamos com uma pequena comitiva que circundava um homem de pouca estatura.    Parecia importante, pois até um guarda-chuva o protegia, de uma chuva que ainda nem caíra. Trajando uma longa batina escura e na cabeça um chapéu da mesma cor entrou apressado num Citroen que o esperava com o motor ligado e as portas abertas.  Era o bispo que viera de Santos somente para celebrar a crisma. Ou chegamos atrasados, ou o tal bispo se adiantara. Outra oportunidade desta? Só no ano seguinte. Isso foi lá no início dos anos 1960.
             Fiquei meio desapontado e até hoje, nunca recebi a crisma.
         Decepções  à parte confesso que sempre considerei O Sebastião Marques o meu padrinho, e assim  sempre o chamei.




(Igreja Nossa Senhora da Lapa, Cubatão - SP. __ Foto Internete)


A televisão e a  influência do avião  em sua imagem:

            Foi numa tarde de sábado. Umas buzinadas e o nosso cão começou a latir. Era o furgão da Eletroradiobrás. Finalmente chegava o nosso tão esperado aparelho de TV. Era o ano de 1960.
              Uma Philco Predicta de 21” ( 21 Polegadas) seu móvel impecável em jacarandá, parecia ter um cheiro de chocolate.
             A televisão no Brasil era recém-inaugurada e poucas emissoras tinham retransmissores, mesmo assim, com  retransmissores a imagem era às vezes, precária, sofrível. Embora a nossa Predicta,  apresentasse  um desenho bem futurista para a época; com cinescópio giratório, independente do móvel e outras novidades, isso não impedia que sua imagem também fosse ruim.








Nosso aparelho de TV. Predicta da  Philco, dos anos 1959/60



            Como Cubatão se localiza em rota de aeronaves, ocorria o fenômeno que eu batizei de: F.S.C.D (Fenômeno Satélite de Curta Duração)
Com a  aproximação de um avião grande, talvez um Electra II da Varig, ( chamado também de  pássaro de prata) sobre a nossa região, a imagem da nossa TV ia aos poucos se depurando até ficar limpa como um espelho, e isso era motivo de alegria pra nós. Porém, esse fenômeno durava uns  trinta segundos, voltando tudo como  dantes, até a passagem de outra  aeronave. É claro que já existia o bom bril, e  o bom bril na antena, ajudava um pouco. É evidente também que com o avanço tecnológico as coisas com o tempo foram  melhorando, e o efeito (f.s.c.d) foi aos pouco ficando obsoleto.
            Um detalhe: Lá  no início  da TV. No Brasil, as emissoras, por falta de programação ficavam no ar por  pouco tempo. Abriam na tarde e  era raro uma que  passasse da meia noite. Antes de abrirem, elas mostravam a imagem  teste padrão de  ajuste chamado “Cabeça de índio”.TV em preto e branco.        Acompanhada dessa imagem tocavam  uma seleção musical que pode se dizer, era de bom gosto, pelo menos para mim. Nós  ficávamos a ouvi-las, é claro,  enquanto aguardávamos ansiosos a abertura do canal. Meados do ano de 1960.




(Imagem Padrão Cabeça de Indio)



Dias nebulosos:

            O dia em que passei a me inteirar mais sobre o que acontecia no meu país foi num dia sombrio.. literalmente sombrio.
Naquela manhã nublada, mal pisamos o pátio do Júlio Conceição e fomos logo informados de que não haveria aula naquele dia. Só não nos disseram o motivo.
             Então, na volta para casa observamos um movimento estranho no centro da cidade. Eram Jeeps, carros blindados e uma soldadesca naqueles caminhões cobertos por encerados. Eram os olivas.
            Até então estávamos achando aquilo tudo o máximo, parecia até o desfile de 7 de setembro. Mas  quando cheguei em casa pude ler  na fronte do meu pai, que  algo não ia bem. Ele me explicou o que estava acontecendo.
            Era dia 1º de abril de 1964  e ironicamente tudo era verdade.
            Bem,  mas a vida continuou mesmo assim, apesar dos pesados e dos pesares.  Apesar de um lado e do outro lado.


Ruas:

             Brincávamos mesmo era no meio da rua, meninos e meninas.
A minha rua tinha um nome oficial e outro por adoção. Eu a chamava de Rua do sol. Eu  a batizei assim porque achava que  o sol nascia sempre  em seu rumo, o que não era mentira, pelo menos em boa parte do ano. Achava-me  um privilegiado.
            De manhã quando o Astro-Rei se levantava, as frestas na parede  de nossa casa permitiam que ele entrasse, espremido, é claro e na parede do meu quarto  desenhasse  uma paisagem pomposa e cheia de quimeras, quase indescritível. Eu me envolvia com aquilo de tal forma, que demorava a levantar.
            A rua era um chão simples e batido de cascalho de rio. Na época das chuvas, formavam-se poças que em noite enluarada, se transformavam em pedaços  iluminados de céu.




                                                             (Desenho de JALopes)


Um haicai    de JALopes    

Poça de verão-
A luz do poste
Boiando no céu.


             Nas férias do meio de ano, um mês só era considerado  pouco para tantas brincadeiras.
           Soltar papagaios, rodar pião, jogar futebol, rolar gudes, andar de perna-de-pau, andar de pé de lata, rolar pneu, brincar de mocinho e bandido com revólveres feito da raiz de lírio do mato, jogar taco, caçar passarinho, pescar etc. Ufa! quanta coisa  pra se fazer. À tardinha  aconteciam as cirandas, era quando  os meninos e as meninas se misturavam. Aí, a nossa pobre rua ficava mais bonita, rica, engalanada de crianças nessa época e por isso hão de concordar que dois meses de férias ainda seria pouco!

           Tínhamos  também um costume, acender uma fogueirinha. Isso, quando a noite chegava um pouco mais fria. Ah! a noite com seus sortilégios. E em volta  do fogo fluíam histórias   e mais histórias, principalmente as que falavam de assombrações e  sobre  marcianos, espaço e etc...
           E no passar das horas a fogueira ia se consumindo  até que as brasas recobertas de cinzas, vasquejando de quando em quando 
ao sopro da viração noturna, pareciam nos dizer que já era hora de dormir.
            Ainda hoje parece que vejo aqueles rostos jovens avivados pelo fogo e sentados sobre pneus  velhos ou sobre o chão contando ou ouvindo atentamente uma história.
            Em nosso trecho de rua não havia iluminação pública. Uma casa ali, outra acolá tinha pendurada um bico de luz  pálida. Fora isso  a nossa rua era um breu. Mas nas noites de luar não existia coisa mais linda! A lua nascia atrás da cumeeira de uma igreja. Da minha janela eu ficava  a espiá-la. E era tão grande e tão próxima estava, que se eu estendesse uns dois bambus, com certeza  tocaria  pelo menos o seu halo...




Foto tirada  no início de 1960. Da esq. Pra dir. Reinaldo, Eu e meu cão Bolinha, Wilson e Natalino. Rua Domingos Costa Cubatão (Foto, arquivo  da  família)



Um poema!


ERA UM RUA

Era uma rua.
Pobre e rica rua.
Pobre de chão batido
De cascalho de rio.
Rica de crianças pobres
Em felizes cirandas
Intermináveis
E alegria estampada
Nos rostos borralhentos!

Era uma rua.
De um lado, casas humildes.
Do outro, lírios do brejo
Nevando ricamente
O verde pasto.

Era uma rua.
Sem número e nome.
E havia ali uma várzea
Onde tocava
Uma orquestra de anuros,
E constelações
Pirilampando sobre as taboas.

Era uma rua.
Pobre sim, mas
Rica de crianças
Em cirandas inocentes
Como se fosse para sempre,
Brandas as ondas
E límpidas as águas!


- SBC-SP.
12/052/2013
Poema de José Alberto Lopes





            Mas, não poderia deixar de falar dos Gibis. A vantagem, era que trocávamos gibis, como trocávamos figurinhas. Os meus prediletos eram: Flecha Ligeira,  Cavaleiro Negro, Roy Rogers, Fantasma, Búfalo Bill, Zorro e Tonto, Águia Negra, Durango Kid, Almanaque  do Tio Patinhas e Luluzinha, etc...Ah! Também era  um costume caçar cigarras e colocá-las numa caixa de fósforos vazia, pra que elas cantassem na marra....Coisa de moleque. O legal mesmo, era vê-las e ouví-las num tronco de árvore cantando desde o arrebol, e que canto!!....  saudades...






Uma Princesa de Praça:

              Que cidade não tem uma praça? Acho que todas, mas com nome de princesa e com uma fonte luminosa e colorida, acho que poucas. Falo da Praça Princesa Isabel. Lá  a gente se libertava... Havia uma fonte luminosa cujas águas subiam bem alto como cordões coloridos a tocar o céu. Lá íamos passear  todos os finais de semana. Nosso pai nos levava. Nas noites quentes de verão a sua névoa fina nos refrescava. No frio, ficávamos sentadinhos e encolhidos, sobre seus bancos marmorizados,  olhando o tempo que passava bem devagar. Foi ali   na tarde  do dia 29 de junho de 1.958 que  uma multidão de pessoas festejaram a primeira conquista da seleção brasileira de futebol.


Então, as eleições:

             Na época de eleições, a nossa pacata cidade ganhava uma movimentação especial. Um colorido especial.
             Eram os comícios que aconteciam ali onde hoje deve ser a Praça Getúlio Vargas.
        Eu e alguns amigos mal jantávamos e já corríamos para lá. Não que houvesse um interesse  político naquele ato, isso não. Havia sim  o interesse pelos papéis coloridos das campanhas, e principalmente pelos broches do Carvalho Pinto, (o pintinho) a vassoura do Jânio e a peneira do Auro    Moura Andrade, que ostentávamos orgulhosamente na lapela de nossas surradas camisas. Nada ligado à política, portanto. Mas, tudo em nome da conquista, o poder de ter conseguido um broche, ou um outro brinde qualquer, como caixinhas de fósforos com a cara do candidato.
             Os comícios eram realizados sobre a carroceria de um caminhão. Tudo era improvisado.
          Também era  comum passar um avião, Teco-teco, jogando papéis durante o dia  ajudando nas campanhas.
             Mesmo tendo o interesse voltado somente para os brindes, aquela fala veemente e as promessas daqueles políticos, interrompidas constantemente pelo coro de “já ganhou”,  de certo  modo ainda estão vivas em  minha mente, sem contar as marchinhas   bem elaboradas cantadas até por  cantores já consagrados em nosso cenário musical. Porém, nosso  cenário político parece que pouca coisa mudou.



Ah! as várzeas cubatenses:

             Muitos riachos cortavam a nossa cidade originando as várzeas. Muitos  já foram canalizados, se transformando de vez em esgotos, e as ditas várzeas quase  não existem.  Já no início da década de 1960, alguns  já estavam comprometidos. Lembro aqui de um córrego próximo de casa, que apesar dos dejetos humanos e do colorido petróleo, ainda  se via os renitentes guarus que faziam dali o seu habitat.              Chamávamos de riozinho.
            E  eram nas noites quentes que aquelas várzeas pareciam um céu estrelado.
      Os vaga-lumes as sobrevoavam em chusmas que mais pareciam constelações, acendendo e apagando  suas luzes esmeraldinas. E as crianças na sua curiosidade e inocência, corriam para pegá-los, chamando-os: --Vagalume toma carne, vagalume toma carne...



(Desenho da internete)


Um tanka:  de JALopes

Vagalumeando-
A várzea toda parece
Um céu estrelado.
          O sapo espreita a comida
          E as crianças colhem astros.



Caiu bem ali:

            “Meteorito, corpo metálico ou rochoso que, vindo do espaço cósmico, cai na superfície da terra”
             Bem, essa pequena introdução, tem uma explicação:
          Foi numa noite nublada  que presenciei algo que com certeza poucas pessoas tiveram o privilégio de ver assim tão perto.
           Estava eu em frente de casa sozinho quando um pedaço da história  da formação do universo caiu a poucos metros do meu nariz. Coisa de uns três metros.
            O corpo incandescente era um pouco menor que uma bola de tênis e vinha acompanhado por dois  pequenos fragmentos. Caiu entre os lírios. Corri para  vê-lo. Fulgurou por uns segundos no meio da densa vegetação e em seguida se apagou para sempre. Ainda deve estar lá. Até hoje não sei por que o ignorei naquele momento. Não disse nada a ninguém e tampouco  fiz um pedido...
            Ah! A minha rua também teve dessas coisas. Mas deixo aqui para memória uns haicais  que escrevi bem depois:




Estrela cadente
Caiu bem no meu jardim-
Queria ser jasmim!


Estrela cadente-
Como se a vida passasse
Na tela do céu

  
Estrela cadente-
Já não tenho mais vaidades
Só contemplação.


  De JAL

Esse último haicai ganhou o 1º lugar no concurso literário - Masuda Goga/2018



Anilinas - A Fábrica

            A chaminé de barro da Anilinas funcionava como um relógio. Pontualmente todas as manhãs nos chamava para o trabalho ou para a escola. Certo dia, ela perdeu a voz e  a longa cabeleira negra.
             Mas os trens que passavam no horário sempre rigorosos, acabaram por substituí-la.


 
                                                                               

 Fábrica Anilinas-(Foto internete)


Um relógio chamado Anilinas

A chaminé de barro
da fábrica Anilinas
pontualmente todas as manhãs
nos chamava para o trabalho
ou para a escola.
Com seu som inconfundível
e seus  cabelos ao vento
era sem dúvidas o nosso relógio.

Certo dia, porém,
ela perdeu a sua longa cabeleira
e também a sua voz....



Poema de José Alberto Lopes®-10/01/2015




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            Meu tio João Nunes também tinha muitas  histórias e aventuras sobre a construção da Via       Anchieta e da própria cidade de Cubatão. Vou declinar uma, mais sobre o lado humano e solidário do grupo de amigos e famílias que viviam também num acampamento que passou a ser do DER.

             Antes eram trabalhadores de uma companhia de terraplanagem participante da construção da    Via Anchieta, trecho de Cubatão. Não tenho certeza se o nome
da empresa era Geoplana ou Ageoplana, mas era o que eu ouvia quando criança: Ele contava que o      Governo do Estado encampara muitos funcionários dessa empresa e enquanto a transição não se concretizava eles ficaram meses e meses sem pagamento. Uns dirigiam táxi, outros faziam pão, ele consertava e montava rádios, e assim sobreviveram, até que finalmente, passaram a fazer parte do quadro de funcionários do DER. Conta-se  que  o Estado terminou pagando até os salários  atrasados. Isso deve ter ocorrido  em meados dos anos 1940.



            Também contava sobre um circo. Circo do Beicinho, um palhaço. Parece que o circo ficou lá por muito tempo pois desenvolveram amizades inesquecíveis. Meus tios; João e Dirce, por causa dessa amizade terminaram por  batizar o filho do Beicinho.
             Haviam apresentações teatrais no circo, como de histórias bíblicas Natalinas dentre outras.
          Curioso é que muitos empregados  abandonaram o circo para trabalhar no DER e um dia, durante uma das apresentações, um dos atores improvisou uma espécie de protesto: 
“Seu Ananás, seu Caifás, vá trabalhar no DER que você ganha mais.”

  Quem me passou estas, foi sua filha Anita, minha prima!








             Há  pouco mais de dez anos, por motivo de força maior, estive em Cubatão. Muita coisa mudou. A  Praça Princesa Isabel pareceu-me sufocada, quase não a reconheci. Fiz um lanche num bar da Av. 9 de abril. Muita gente nova na cidade. Calor. Não encontrei ninguém da minha época, a não ser um velho companheiro de trabalho do meu pai. Na verdade o senhor José Cordeiro, o motorista do velho Ford chorão, ex- funcionário do DER. Depois caminhei até a  velha padaria Castelões. Velhas e boas lembranças.
             Descendo a Manoel Picado, dei na Rua Domingos Costas. A rua onde nasci e me criei. Aí as lembranças vieram  assim picadas... Ficou moderna, calçada com bloquetes sextavados  e  arborizada por  exuberantes  Jaqueiras.  Um conjunto habitacional ergue-se no lugar onde morávamos...... Porém do lado, para a minha  surpresa e emoção, ainda há  o terreno baldio onde jogávamos bola. O mato cresce pouco e os vestígios do nosso campinho ainda estão por lá adormecidos no tempo... Porém,  muitas lembranças me afloraram naquele instante....
             Na despedida, aqueles  bloquetes me pareceram pequenos jazigos, onde sepultadas parecem estar a minha infância..menos as minhas lembranças.




Antiga estaçao ferroviária de Cubatão (década de 1960) Foto internete





Detalhe da Estação ferroviária de Cubatão- anos (1960)







O trem daquele tempo...


          Era um vulcão que andava. Em erupção andava ao som da marcha dos seus pistões.
Descia e subia a velha serra do mar esvoaçando a sua longa cabeleira negra.
          Lá em baixo, na terra dos Andradas, cidades medrando aos pés da serra junto aos jacatirões e o mar engolindo o céu.
          Manhãs prateadas de névoa e o disco aurium aos poucos se impondo.
         E era alimentando a fornalha que Faustino alimentava seis bocas em casa. A negra máquina era também quase a sua casa.
         Lá iam vagões solitários, seguros, mais pelas mãos de Deus que por seus cabos de aço, levando pessoas indiferentes presas também a  seus fios, pensando na vida ou não querendo pensar. Mas, presas talvez no fio do medo, o fio da vida.. por um fio, fio de cabelo... o cabelo do relógio (o fio do tempo) de um tempo ido.
          Era um vulcão que andava. Andava ao som da marcha dos seus pistões. Hoje, um vulcão extinto!


Out. de 2012
Poema de José Alberto Lopes®.






Foto Internete- Avenida Bandeirantes Cubatão - EFSJ

MARIA-FUMAÇA

Caldeira inda fria
Não move ninguém
Foguista na boca
Dá tudo o que tem.

Maria-Fumaça!
Andar lhe convém
Tem água e carvão
Pressão tem também....

Lá vem a Maria
Puxando esse trem
Vem resfolegando
No seu nhenhenhém!

Barriga vazia
Não move ninguém
Foguista com fome
Papando vai bem.

O fumo é um arco
Que eclipsa o céu
Alguém na janela
Perdeu seu chapéu.

Na curva ela apita
Soltando vapor
Há muita fagulha
E pouco labor.

Prossegue Maria
Em meio à fumaça,
Fazendo barulho,
Fazendo pirraça!

Levando dois carros
Bem abarrotados,
Vão feio e bonito
De medo abraçados.

Na serra tem água
Pra quem passar mal
De medo ou de susto
Ou coisa banal!

Se o cabo arrebenta
Nem vale a oração.
O abismo é profundo
Mas finda no chão!


Era assim que se vencia a velha serra do mar, num sistema chamado de:
Sistema Funicular Ferroviário, empregado pela E.F.S.J. até meados de 1970.
Sistema por cabos de aço de ações externas auxiliados por Loco-breques que eram as locomotivas a vapor! [Maria-Fumaça] Viagens, fiz muitas por ali.


Poema de José Alberto Lopes®. SBC. 12/12/2002 - 2011





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(Desenho, autor conforme assinatura)


O MENINO FELIPE


Eu vi o menino Felipe
De mãos no bolso e sem bagagem,
Voltava da Europa distante,
Após um ano de viagem.

Julgou-se já em sua casa
Quando aportou o "Oriana".
De mãos no bolso e sem bagagem,
Regressa à terra da banana.

“Cubatão de eras históricas,
Que teve até Porto Geral,
Só às terças, quintas e sábados,
Corre um trem nesse ramal?”

Era sexta, não havia trem!
Era folga do maquinista,
E ele então pisou cada dormente
Como se uma escada infinita!

Beirou os valos bem verdinhos
Todos de musgos recamados.
Com o seu chapéu de aba larga
Que o vento ousou sem dar recados!

A serra mostrava-se inteira,
O vento varrera a cerração.
O olaria é meio caminho,
Lá da Europa à Cubatão!

E segue o menino Felipe
Entre o verdor daquela mata,
Que tinha garças e socós
E até um cão vira-lata.

Segue mais, mais e muito mais,
Um estirão a mais, e a ponte!
Negra como a noite já tingia,
A tênue linha do horizonte.

Do outro lado, a sua casa,
No meio das tangerineiras,
Era um chalé cor-de-rosa
Tomado por mil trepadeiras.

Ajuntando as folhas caídas,
No quintal estava a sua madre.
Já com mais brancos nos cabelos,
Do que os cirros daquela tarde.

_ A benção, mamãe, disse ele,
Com seu jeito todo gaio.
_ Então é você, seu mestre?
 A benção, respondeu-lhe de soslaio!


Poema de José Alberto Lopes®
     



MEU RIACHO


(Baseado num texto do livro de Afonso Schmidt, chamado; O menino Felipe)

Que saudade daquele riacho.
Parecia um tear de águas
Fiando alvuras entre as pedras,
Tecendo guirlandas de espumas.

De noite quando o vento  dormia
e dava pra ouvir as ervas crescendo,
A corredeira cantava, cantava
O que a gente quisesse ouvir!

Era só atentar os ouvidos
E  fechar levemente os olhos
Para ouvir o queixume das águas
Em harmonia de uma flauta-doce!


José Alberto Lopes®
Maio de 2011 (porque eu também tive um riacho)

                 -"-

              Esta é a minha homenagem ao escritor Afonso Schmidt. Sendo um dos escritores mais premiados no Brasil e exterior, é estranho como hoje em dia não se fala mais em seu nome.... Obs: O poema acima é baseado em um texto sobre a primeira viagem do escritor. O menino Felipe ( Esta  poesia) é uma mistura do romance do mesmo nome ( quase uma Auto biografia)e do livro "a primeira viagem".
             Com 16 anos de idade, partiu para a Europa sem nada no bolso...e por lá zanzou por um ano.      Com a ameaça da I Guerra, voltou ao Brasil no Vapor "Oriana" -  Aí nasceu o livro "a primeira viagem"  quase uma autobiografia...
             Affonso Schmidt -  (Cubatão, 29 de junho de 1890 — São  Paulo, 3 de abril de 1964), também grafado Afonso Schmidt , foi um jornalista, contista, romancista, dramaturgo e ativista anarquista brasileiro.

             Recebeu o Troféu Juca Pato, prêmio Intelectual do Ano, em 1963, concedido pela União Brasileira de Escritores. Zanzalá (1928) é obra pioneira da ficção científica nacional, uma das de maior destaque na primeira metade do século XX pelo seu conteúdo de brasilidade e pela forma como orquestra diferentes temas e situações. Muitos dos contos de Schmidt também pendiam para o fantástico, como "As Rosas", "Delírio" e outros.
             Afonso Schmidt é patrono da cadeira 138 do Instituto Histórico e Geográfico de Santos.[4]


SBC-SP-José Alberto Lopes®
01/05/2007





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Bando de guarás vermelhos, num mangue de Cubatão
Desenho de JALopes /2022



O Guará Vermelho

Voltou o guará vermelho.
Deu na net e nos jornais.
É sinal que volta a vida,
Nas orlas dos manguezais.

Partiram há muito tempo
Com destino  a outro cais.
Deixando tristes os mangues,
Agonizantes em ais.

Eu também  parti menino
Mas com ideia de voltar.
Vivo bem nas serranias
Mas o vale  é meu lugar.

Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá.
Pra ver rios e lagoas
E a brenha que ainda há.

Dos meus amigos de infância,
Encontrar algum  quiçá
E ver os mangues vermelhos
Salpicados de guarás.

Nota: este poema, além de evocar saudades, vem também falar do Guará-Vermelho (ave aquática) que retorna depois de décadas aos manguezais da região de Cubatão – SP. Fato que revela a volta às condições  favoráveis para isso, e homenagear os abnegados que lutaram e continuam lutando pela preservação do meio ambiente em qualquer parte deste planeta.



Poema de José Alberto Lopes®
SBC-SP. 2005


  (Arquivo da família) Alguns pontos pitorescos de Cubatão de +/- 1969







Fotos recentes de pontos pitorescos de Cubatão
(Fotos de Cida Micossi)




              Na foto acima, onde se vê um antigo casario, é a Praça Joaquim Montenegro. Conhecido pelos mais antigos por Largo Do sapo. (Muitos  anuros habitavam aquela baixada.. uma festa..)
              Ali, num passado distante, por mais de 250 anos, funcionou o Porto Geral  (Rio Cubatão) por isso, um monumento erguido aos barqueiros bem no centro desta praça.  Dali, partiram expedições que ajudariam na fundação  da maior cidade da América do sul - São Paulo de Piratininga!

              Na outra foto, vê-se uma maravilhosa arquitetura aparentemente abandonada, infelizmente.    Casarão construído no final da década de1940 Av. Nove de Abril - final. - Prédio onde funcionou a primeira prefeitura da cidade.









Foto  antiga do referido casarão - Internete





Cruzeiro Quinhentista



Detalhe do Cruzeiro Quinhentista



Parque da cidade



Parque



Parque



Monumento aos barqueiros  do Porto Geral
Praça Joaquim Montenegro.
(Foto - Prefeitura de Cubatão)


Vista mais antiga da praça Joaquim Montenegro
(Foto - Prefeitura de Cubatão)
















             








Znzalá - o poema.


Vou partir pra Zanzalá
No vento da madrugada!
Fica depois de acolá
Desta muralha azulada!

Nessa terra Zamiresca
Quero viver poetizando
Lá tem sombra e água fresca
E uma rede, quando em quando.

Lá numa Pira incansável
Brilha grande evocação.
Pai Sumé, esse honorável
O fogo dá a distinção!

Ensinou a agricultura,
A fé, a arte e o amor!
Pra que o homem co’estrutura
Alcançasse seu primor.

Vou partir pra Zanzalá
No vento da madrugada
Vou-me embora para lá
Com a alma escancarada!

Lá, portas ficam às largas
Pois o medo é coisa finda.
Há paz em todas as plagas,
Serra abaixo, serra acima!

Lá terei meus camaradas
D’arte, da literatura...
E os sons das madrugadas
Sinfonia de abertura...

Terei minha cabana
Onde amarei com ternura,
Uma morena Serrana,
Fruto da minha ventura!



De J A Lopes. Maio de 2017


Baseado em leitura do livro ZANZALÁ do escritor Cubatense AFONSO SCHMIDT.
Escrito em 1928 e publicado pelo Clube do Livro em 1949.
                Zamiresca – A junção das palavras Za e Mir que quer dizer em Russo: pela paz.
               Afonso Schmidt criou a palavra Zamiresca, no sentido : um lugar de paz, terra de paz.






Haikai


Folhas da bananeira-
Fustigadas  pelo vento
Mostra o avesso  cinzento.


Texto:
É comum isso acontecer quando sopra o noroeste nos bananais. A parte verde subitamente é substituída por  um  cinza- esverdeado que está no avesso da folha, como se a planta  se  rebelasse contra o vento.










Abaixo, 3 Fotos de Bertioga +/- 1948 (Arquivo da família














Antiga Estação Santos a Jundiaí, - Cubatão.






Eu. G.E. Júlio Conceição - 1960